17 de agosto de 2018

Agora é que vão ser elas...

Na próxima semana regresso ao trabalho, depois de quatro meses de baixa graças a uma gravidez de risco, de dois meses e meio de licença de maternidade e mais dois meses de baixa a seguir a todo este tempo, graças a uma hemorragia violenta e consequente operação que quase me levaram deste mundo.
Seis dias depois de ter tido a Vitória e já em casa, tive uma hemorragia muito violenta. Os médicos de urgência chegaram a tempo de me estabilizar e levar para o bloco operatório. Vi-me morrer, aos poucos, a "vazar-me" de todo o meu sangue em frente aos olhos doces da minha mãe e do olhar incrédulo do meu marido. Saí de casa, com a certeza de que não voltaria, que não veria a Gabriela crescer, e que não chegaria a conhecer a Vitória. Senti que ía deixar o Ni sozinho com duas filhas bebés nos braços, e tive a certeza que ele é o melhor pai que as minhas filhas algum dia poderiam ter tido. 
Saí de casa na ambulância, serena, convencida de que a minha hora tinha chegado, e que pena que era não ter vivido tantas coisas que a vida tem para oferecer. 
Antes de entrar no bloco, comecei a despedir-me do Ni, e a dar-lhe as indicações do que deveria ser feito. Difícil, quando há menos de uma semana tínhamos recebido a benção da vida da Vitória... Ele mandou-me calar, e disse-me que ía correr tudo bem. Durante a operação os médicos foram "buscar-me" duas vezes... No dia seguinte à operação voltei a fazer uma hemorragia, que serviu para eu perceber que os médicos não são infalíveis, que o nosso corpo é que manda e que a vida não é nossa para nós mandarmos. 
A recuperação tem sido lenta e dolorosa. Tudo isto deixou feridas no meu corpo, na minha alma e no meu coração. Umas estão mais cicatrizadas do que outras. Percebi que a vida é como o andar: um passo a seguir ao outro, um dia a seguir ao outro, dando tempo para não cairmos, para tudo cicatrizar correctamente.
Hoje, consigo falar e escrever sobre o que me aconteceu sem chorar, mas acima de tudo sem vontade de chorar. Aconteceu. Sobrevivi. Por isso agora, devo-me a mim própria viver. Não quero com isto dizer que vou sair porta fora, experimentar umas drogas, e fazer todos os desatinos que me possam passar pela cabeça. Quero apenas dizer que vou saborear o que a vida tem para me dar. Desfrutar de cada instante retendo apenas o que é importante para mim, porque no final, será apenas isso que vai contar. A felicidade que podemos provar durante esta passagem, que é tão breve...
Assim, esta experiência de morte (3 sessões de psicóloga para conseguir dizer estas 3 palavras...), fez-me colocar algumas das minhas decisões em causa. Fez-me fazer um balanço, para perceber o que é que me está a passar ao lado, e que não deveria, porque a vida é curta... Porque há coisas que eu não quero perder, porque o mais importante é guardar as estrelas a cintilar nos nossos olhos.
E tudo isto provocou mudanças na minha vida. Percebi que tenho projectos para executar, tenho ideias, tenho sonhos... Mas, no meio de todo este reboliço de mudanças interiores, de sonhos e projectos e enquanto as coisas se organizam, o regresso ao trabalho impõe-se.
Se antes deste período de ausência tinha a certeza de que estava bem neste trabalho, neste momento tenho a certeza do contrário. Não me satisfaz, não me dá felicidade. É relativamente bem pago, graças a um aumento que me foi proposto há cerca de um ano, como forma de gratificação pelo meu desempenho. Mas o dinheiro, pelo menos para mim, não é tudo. Os sonhos, a felicidade, as estrelas nos olhos sempre valeram mais do que a estabilidade e a certeza do final do mês. Já houve tempos em que sonhava ter o que tenho hoje. Não sou ingrata. Pelo contrário. Percorri muito caminho para estar onde estou, engoli muitos sapos, e arregacei as mangas quando foi necessário. Tenho uma situação estável, que foi o que procurei. 
Mas hoje procuro outra coisa, graças à minha experiência de morte. Procuro a satisfação profissional que senti quando estava na Câmara Municipal de Peniche, e que mais tarde voltei a sentir de uma forma arrebatadora na Panificadora de Alcanhões. Duas experiências completamente díspares mas que tanto me enriqueceram: a dimensão social do público e a dimensão económica do privado. 
Há cerca de três anos atrás comecei a desenhar um projecto neste novo país que me acolhe. Na altura, o meu coração tendia ainda para o social. Depois, entrei para o meu trabalho actual, como vendedora, e depois veio a possibilidade de evoluir na empresa (que nunca chegou a acontecer, e apenas me serviu para me aprisionar a uma possibilidade), depois veio o projecto casa, depois veio novamente o projecto família com a segunda filha... E o meu EU ficou algures perdido no meio de tantos papéis, obrigações, projectos,... 
Até que a minha vida ficou suspensa por um fio. Até que percebi de uma forma muito violenta que a vida é curta, e que não devemos adiar o que nos pode fazer felizes.
Não sei se vou conseguir realizar os novos projectos/sonhos que tenho na minha cabeça, mas sei que evoluí, que cresci, e que este tempo de maturação me permitiu perceber o que quero. E que me devo a mim própria tentar, mais que não seja,hoje eu sei que sou livre para sonhar. Porque "sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança".

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